segunda-feira, abril 16, 2007

Por Conceição Nobre(nº9)

Os recados são sempre passados repassados como sonhos. Nas angustiadas noites de inverno havia sonhos e bilhetes, recados remarcados. O tijolo quente ajudava a encarar o cobertor. A leitura fazia chover nuvens de acento trágico, impondo ao sonhar uma lógica surreal. Lá pelas tantas, resolvi que dormir na banheira era a grande saída. Quando a água esfriava era só recomeçar. Assim desvelou-se um extenso e preguiçoso inverno. Aqui o verão é o real, o inverno é inventado todas as noites. Sonhei que dormia naquela banheira e não sabia mais como aquecê-la. Esqueci antigos mecanismos de distração da realidade. Hoje a preocupação passa pela forma e o cuidado com a vida vem de um outro lugar. As angústias são eternas. Por isso, de vez em quando a água fica muito fria.

Conceição Nobre

sábado, março 10, 2007

Por Conceição Nobre(nº8)

Tenho sentido muita vontade de escrever. Os textos aparecem na minha imaginação como se eu já os tivesse escrito. Na verdade fazem parte de uma escritura antiga que me é familiar. O modelo é a análise e se desenrola a partir de um fato que em seguida se repete na análise. Hoje acordei com uma sensação de novidade por causa da missa das sete e a visita do padre. Engraçado que as saias de renda do padre Januário ficam aparecendo por baixo da batina e eu penso que deve haver algo errado porque a gente tem que esconder nossa combinação, não pode aparecer nem uma rendinha... isso mesmo, o padre Januário fica mostrando a combinação. É isso que penso. Por que ele pode tudo e a gente pode nada? Hoje deve ser dia de algum santo importante. Gostaria de saber por que tem festa no dia que alguém morreu. Se alguém morreu deve ser dia de tristeza, mas aqui tem festa. Estranhas essas pessoas. TENHO MEDO DELAS. Se eu morrer elas vão comemorar? Não, a pessoa precisa ser santa pra eles comemorarem. Posso me acalmar. Mas na verdade eu vi um santinho de comemoração de morte. Nunca vou entender essa gente. No começo do internato eu tinha dificuldade para compreender os códigos das festas das freiras. Talvez pensasse que elas só faziam festas pra ver o padre, fazer comidinha pra ele, dar risadinhas com ele, enfim pra brincarem de casinha. Tinha a coisa da morte. Festejar mortes me incomodava. Tinha medo de ter que festejar a morte de minha irmã. Talvez pensasse que tinha algo que sentia como uma imensa culpa e eu não dava conta de dar sentido.

Conceição Nobre

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Por Eduardo Sande(nº12)

Uma cena particularmente importante: somos quatro pessoas. Duas compartilham comigo o início das atividades de um novo projeto. De quem é o desejo que movimenta os acontecimentos? Uma das pessoas, vou chamá‑la de ‘A’, deve funcionalmente executar determinados procedimentos. Inscrever a pessoa ‘C’, receber o pagamento da inscrição. Não o faz de imediato. Parece precisar um tempo. Decorrido um tempo relativamente grande, insito‑a a realizar os atos correspondentes. Por que devo ser aquele a partir do qual a atividade se inicia? Quando finalmente ‘C’ termina de preencher a ficha de inscrição, ‘A’, olhando para mim, pergunta: ‘Cobro? Agora?’. Por que estou no lugar de intermediação deste desejo? Quando insitada a fazer o pagamento, ‘C’ diz que só tem cheque. Pergunta se deve pagar mesmo assim. Parece que o sujeito vacila diante de seu próprio desejo. Argüi ‘B’ com o olhar. ‘B’ parece não estar à vontade. Diz: ‘Como ficar mais cômodo para você’. Neste momento intervenho: ‘Faça o cheque’. Intervenção que corta a cena. O cheque é feito. Cena cotidiana com suas conseqüências. Sobre ela ainda escreverei muito no mundofreudiano. Adianto: está é uma cena fantasmática.

Eduardo Sande

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Por Mariana Magalhães(nº12)

Ontem assistindo à televisão, um professor de Cabala disse que a mente precisa descansar porque estamos bombardeados de informações por todos os lados. Se isso é possível, eu não sei porque a minha não consegue. Estar sob análise, participar do Mundofreudiano, estudar, sonhar... Andei fugindo disso descuidadosamente. Do trabalho, se é que aquilo é trabalho, sumi. Estou em iminência de acabar com o tratamento químico ao qual venho me submetendo há sete meses. Submetendo... não escolhi tomar todas essas drogas, apenas desacreditei de qualquer coisa que pudesse me tirar do lugar... eu não conseguia sair do lugar. Vejo um progresso: de 20mg estou em 8mg. Não sinto mais os maus efeitos da droga, mas também deixei de sentir os bons. Acho que a única coisa que ela tem feito é segurar a minha vontade de chorar. Como ouvi: saio do alento, entro no desalento, e vice-versa. Saio do lugar, volto para o mesmo lugar. Fico parada. Me convoco a despertar. Isso não é brincadeira, menina... É tudo responsabilidade minha. Eu não consigo explicar uma inquietação que vem. O sexo não basta para passar isso. E eu tentando me enganar...

Mariana Magalhães

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Por Íris Ferraz(nº11)

Fiquei perguntando, O QUE É O MUNDO FREUDIANO? Há um tempo reservado ou ele atravessa todo o grupo nos encontros? Para mim estudar psicanálise é um constante mundo freudiano, é se reconhecer na teoria, não por patologia mas por humanidade pois acho que o que o pai da psicanálise fez foi estudar as questões humanas, principalmente em sua subjetividade e sendo subjetiva é tb ampla, sendo assim acho impossível não identificar-me. Penso nisso hoje, sexta-feira, pelo que observei ontem no grupo. Me parece que o mundo freudiano não teve tempo determinado pois esteve presente desde o início, todos falamos em 1º pessoa . pensei que o capítulo da droga mágica provocou questões pessoais e se o tema tem haver com o que aconteceu quinta, acho que é porque usando uma droga Freud talvez fique mais próximo de nós. O que também me faz pensar na figura do analista, me pergunto porque tanta idealização em sua imagem , se o que ele fez foi estudar a psicanálise que é uma teoria do humano. Cujo pai, Freud teve para mim o mais admirável, a capacidade reconhecer erros e voltar em sua teoria, deixando tudo registrado. Por isso acredito que identificação com a teoria venha da possibilidade de nela poder me reconhecer no erro e se reconhecer no erro é mais sincero. (no original outro trecho se encaixa a partir do humano o que seria o texto na íntegra, sua exclusão e acréscimo do azul foi por conta da resistência na releitura no Mundofreudiano, hoje possível de entender). Se pretendo ser analista, ou seguir sendo, não é imagem executiva de uma sala elegante em um edifício comercial ou a imagem pedagógica de responder a questões da teoria que me dará este “poder”, poder, pensando na frase que diz que “é poder, pensando na frase que diz que nrtir do humno conhecer no erro e se reconhecer no erro analista quem pode”. Os requisitos para a função não são adquiridos externamente, mas internamente e aceitando o que há de mais humano, que são os erros. Talvez por isso a paixão dos Psis por Freud, pois acho admirável sua capacidade de reconhecer erros e voltar em sua teoria. Talvez a identificação com relação a teoria seja porque nela possamos nos reconhecer no erro e se reconhecer no erro é mais sincero.

Íris Ferraz

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Por Eduardo Sande(nº11)

Mais um fragmento de sonho. Uma dor no peito violenta. Sinto que morro. Há um desmanchamento concêntrico de mundo. Um sentimento de estranheza de como a morte se apresenta simples. Acordo. Uma sensação de tranqüilidade e bem estar. Anos depois, uma analisante traz um sonho parecido: está na rua, leva um tiro, sente que morre. Pensa: morrer é só isso. Ontem fui ao aniversário de uma amiga. Seu marido foi atropelado por uma moto (ia escrever pela morte). Os amigos brincam que não foi uma moto, foi uma motoqueira. O sexo bordeja o registro da morte. É como se dissesse: ‘já que a morte não adveio, vamos ao que interessa: o sexo’.
Hoje pela manhã, assisti ao filme ‘Crash’. Me parece uma estética forte (apesar de americanizada). As vidas correm ao longo da grande cidade, Los Angeles. A cada momento que o roteiro foca uma vida, que se cruza aqui e ali com as outras, vemos o lobo do homem agindo. Os personagens mudam de posição e seus atos, por mais terríveis que sejam, tem uma justificativa. Um consultório de psicanalista tem um pouco desta estética. A cada sessão, o universo faz curva em um discurso particular. Logo depois outro. Nós analistas, como a câmara a flutuar entre as cenas.
Eduardo Sande

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Por Mariana Magalhães(nº11)

Questão entre comadres a ser resolvida. Questão seríssima, dinheiro. Andei prorrogando, sem preocupação, porque, feliz ou infelizmente, eu não consigo dar ao dinheiro o valor que talvez ele mereça. Pensando bem, a palavra é infelizmente, mas esse não é o motivo pelo qual escrevo. Estive com toda determinação de montar um barraco, dizer coisas, falar de decepção, de injustiça, de cobrar, estraçalhar. Com certeza, com de costume, me transformaria num animal, ofegando, tremendo, gritando. Enfim, tive meio que uma sessão de análise (na qual eu fui a cortante! Olhem só. Ela disse que estou sabendo a duração da sessão pedindo o corte, e ele me deixou cortar! Só me dei conta depois de ter levantado da cadeira... Fiquei esperando o corte, eu estava atrasada, não era meu direito estar ali). Voltando à sessão informal, e com portas abertas! Falei da minha raiva quando pensava em resolver a questão de comadres. Ela: “tire a raiva.” Foi simples assim, tire a raiva e resolva o seu problema. Telefonei compulsivamente para a comadre ainda a fim de arrebentar a boca do balão. Não consegui, resolvi relaxar. Às 22h o telefone toca - a comadre. Entre várias colocações, recebendo muitas vezes o meu silêncio como resposta (afinal, eu estava tentando tirar a minha raiva), ela se justifica, colocando por si mesma o prazo para o pagamento. Eu: “Então, sexta-feira que vem, da outra semana.” Ela carregava o sotaque carioca, como eu bem conheço. Pensei: está encenando. Como é difícil enganar essa aspirante à psicanalista! (Estou rindo muito agora disso tudo). Ela: “Sim, sexta quem vem... Você deve estar retada. Mas você merece uma justificativa.” Eu: “Se você quiser dar a justificativa, tudo bem, mas não é do meu desejo ouvi-la. Eu só quero saber se é esse mesmo o prazo e se você vai cumpri-lo”. Ela ficou em silêncio. Eu dei o corte. E o que é melhor, retirei a raiva. Agora é só aguardar o resultado.

Mariana Magalhães

sábado, janeiro 20, 2007

Por Íris Ferraz(nº10)

A notícia da morte de uma tia, sábado passado, fez lembrar a morte de meu avô e com isso outras perdas, como o da convivência com meu pai. Na morte de meu avô, Ronaldo o filho dessa minha tia, que na verdade é irmã de minha vó, estava casado com minha mãe e foi quem prestou socorro e deu toda assistência, mesmo tendo visto o pai morrer da mesma forma e ter desejado não mais viver tal experiência. Após a separação com minha mãe ele voltou para São Paulo e por coincidência, na morte de sua mãe, minha mãe estava lá. Agradeço a feliz coincidência, sou grata pelo que fez no momento de prestar socorro a meu avô, eu não soube o que fazer, não conseguia ter uma atitude, fiquei assustada com a cena. Desde então não consigo prestar socorro, nem ver sangue.

Na semana retrasada minha vó me liga assustada, pedindo para prestar socorro ao seu cachorro que tinha engolido veneno. Fui mas rezei para que já tivessem levado quando eu chegasse, isso não aconteceu e de qualquer forma me deu possibilidade de viver a situação enxergando possibilidades.

Pra completar as associações, na semana passada, um grande amigo propôs me vender seu carro, fazendo uma troca pelo meu, única possibilidade de trocar meu carro no momento. Precisei pedir ajuda a minha vó, ela deu o aval mas logo depois tenta me convencer do contrário. Entendi porque todas as vezes que tentei trocar o carro nunca deu certo. Era o carro que meu avô me deu e ela nunca quis se desfazer e de alguma forma eu contribui.

Íris Ferraz

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Por Daniella de Aguiar(nº5)

Foi quando percebi que toda a ação do outro me influencia(va).

Como se sempre sumia um pouquinho quando alguém aparecia

Como sola e lua brincava de esconde-esconde com o mundo.

O grito!

A descida da gangorra me deixa à mercê.

Eu sou.

Lembrei que nunca havia conseguido cantar com outra pessoa porque desafinava o tom.

E naquela tarde eu e Gal cantamos muito.

Daniella de Aguiar

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Por Eduardo Sande(nº10)

Duas séries de sonhos marcam, no decorrer de minha análise, os caminhos da autorização. Na primeira série, dirijo um carro, encontro uma blitz. Estou sem documentos. O sonho do aeroporto faz parte desta série. Na segunda série, divido espaços com minha analista. Na sala de atendimento, em um imenso colchão, tomando‑lhe a cadeira. Do exterior, o outro demanda o início da clínica. Pergunta, sugere, interroga: quando sua clínica vai começar? – Então, tenho que começar uma clínica? Já como analista, um fragmento: atendo um perverso. Em uma sessão, enquanto fecho a porta do consultório, corre e senta na minha cadeira. – Hoje, o analista vou ser eu, diz. Sento na cadeira do analisante. – Será que você agüenta ouvir?, pergunto. Rápido ele devolve minha cadeira.

Eduardo Sande